Introdução.
Saber se orientar em uma região desconhecida é uma habilidade básica
que todos os aventureiros deveriam conhecer, afinal de contas, ficar
perdido é uma coisa que pode acontecer com qualquer pessoa.
Esse texto é a primeira parte de uma série de artigos onde eu
pretendo mostrar como usar uma bússola e uma mapa para se orientar em
uma região e assim determinar a sua posição em um mapa e a direção
correta para chegar até um determinado ponto. Além disso veremos como se
deve interpretar um mapa para que seja possível posicioná-lo
corretamente em relação ao terreno, reconhecer os pontos ao seu redor
(montanhas, rios, vales…), determinar a sua distância entre esses pontos
e saber qual o melhor caminho para passar por eles e chegar ao seu
destino.
O básico para qualquer pessoa que gosta de se aventurar por aí e com segurança.
1. Princípios básicos de orientação – Pontos cardeais, colaterais e graus
Para ser capaz de se orientar você precisa no mínimo ter a noção dos
pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste) e também dos colaterais
(nordeste, nororeste, sudeste, sudoeste). Lembre-se da aula de geografia
do colégio, o sol nasce sempre no Leste e se põe sempre no Oeste, com
isso é possível pela posição do sol determinar onde fica o Leste ou
Oeste e assim obter a direção do Norte e do Sul.
Ficando de pé aponte a sua mão direita para o sol nascente, este
ponto é o Leste. Sua mão esquerda estará apontada para o Oeste e na sua
frente estará o Norte e nas suas costas o Sul. Esse método elementar foi
usado durante muito tempo por povos primitivos, permitindo a orientação
deles quando saíam de um lugar para o outro.
Seria ótimo se pudéssemos nos orientar em um terreno usando somente
este conceito. Mas nem tudo é perfeito e a nossa necessidade nos fez
criar mais direções, essas direções são conhecidas como “pontos
colaterais”. Os pontos colaterais situam-se entre um ponto cardeal e
outro, por exemplo, entre o Norte e o Leste temos o ponto colateral
chamado de Nordeste; entre o Sul e o Leste temos o Sudeste; entre o Sul e
o Oeste temos o Sudoeste; e entre o Oeste e o Norte temos o Noroeste. A
figura abaixo, conhecida como Rosa dos Ventos, mostra como esses pontos
são posicionados.
Os pontos cardeais e colaterais mostrados ao lado costumam ser abreviados usando letras, essa abreviação segue o padrão:
Pontos Cardeais:
N – Norte
L ou E – Leste/East (onde o sol nasce)
S – Sul
O ou W – Oeste/West (onde o sol de põe)
Pontos Colaterais:
NE – Nordeste (ponto entre o Norte e o Leste)
SE – Sudeste (ponto entre o Leste e o Sul)
SW ou SO – Sudoeste (ponto entre o Sul e o Oeste)
NW – Noroeste (ponto entre o Oeste e o Norte)
Se você olhar bem para a rosa dos ventos notará que se os pontos
forem unidos por uma linha eles formam um círculo. Baseado nisso cada
ponto desses ganhou uma medida em graus. Esses graus são fundamentais
para a nossa orientação, pois eles é que nos dirão com precisão onde
estamos e para qual direção devemos seguir. Não tem mistério nenhum para
entender essa graduação. O norte é o 0º e também o 360º, partindo do
norte em sentido horário os graus vão subindo até chegar aos 360º. Para
entender melhor observe o desenho abaixo.
Algumas bússolas são divididas de 10 em 10 graus, outras em 20 em 20
graus, outras em 30. Quanto maior for a divisão da bússola mais precisa
ela se torna, permitindo a localização de graus com valores quebrados,
como 275º por exemplo. A que eu costumo usar para orientação e
competição de trekking é dividida de 20 em 20 graus e entre as divisões a
marcação é de 2 em graus, com isso a precisão é perfeita.
Não se preocupe com esses graus agora, apenas tenha uma idéia de como estão posicionados. Não é necessário decora-los.
2. A Bússola Silva ou Cartográfica
A bússola que utilizamos para orientação costuma ser aquela conhecida
como bússola Silva ou Cartográfica, um tipo de bússola diferente, que é
montada em cima de uma régua de acrílico. Nada impede que você use uma
bússola comum para se orientar, contudo, a tarefa fica muito mais
simples com o uso da bússola Silva.
Esse tipo de bússola é composto por vários itens diferentes, conhecer
e saber para que serve cada item desses é fundamental, acompanhe o
desenho abaixo e veja como se chama cada parte de uma bússola Silva e
qual a função de cada uma delas.
O visual pode variar de modelo para modelo ou entre fabricantes, mas a
maioria ds bússolas deste tipo apresenta os recursos acima, com exceção
de algumas que não possuem a escala de declinação magnética. Mas esta
escala de declinação não é tão importante, mais na frente veremos como
trabalhar sem ela. Como eu disse antes, cada parte tem uma função:
- Régua: serve para duas coisas: medir a distância
entre dois pontos para calcular a distância entre eles baseado na escala
do mapa; e traçar linhas retas entre dois pontos do mapa para fins de
navegação.
- Escalas: servem para simplificar o uso da régua,
usando as escalas você não precisa calcular a distância entre os pontos,
pois as escalas já são graduadas em metros ou kilômetros de acordo com o
padrão indicado próximo a elas.
- Seta de direção ou azimute: é usada para localizar a
direção em graus de um determinado ponto, ou seja, o azimute de um ponto
(veremos depois o que isso significa).
- Limbo giratório: possui a marcação dos pontos cardeais e dos graus, fundamental para o uso da bússola.
- Portão: uma marcação logo abaixo da marca do norte
que fica no limbo, é usado no processo de navegação. Pode ser uma seta
como na foto ou duas marcas paralelas.
- Linhas meridionais: servem para alinhar a bússola com as linhas do mapa, garantindo assim que ela esteja apontando a direção exata.
- Escala de declinação: serve para ajustar a graduação
da bússola em relação à declinação magnética (diferença entre o norte
magnético e o verdadeiro norte, explicarei melhor isso em outro artigo).
- Agulha imantada: é a agulha que aponta o norte (parte vermelha).
3. Azimute
Azimute é um termo de origem árabe (as-sumut) que significa “caminho
ou direção”, para nós ele é uma direção indicada em graus, indo de 0 até
360 graus. Isso significa que é possível marcar a direção de um ponto
de referência através dos graus. Com essa marcação, qualquer pessoa pode
navegar entre um ponto e outro se souber o azimute do ponto de destino
Imagine a seguinte situação: você está caminhando por uma trilha e
chega até um descampado, neste descampado existem quatro opções de
trilhas para seguir, se você souber que a trilha certa está situada em
270º basta pegar a sua bússola e encontrar onde está esta direção, onde
está o azimute para 270º…
Veja como usar o azimute:
Se você já tem o valor do azimute basta fazer o seguinte:
Vamos supor que você tenha um valor de 100º para o azimute, para encontrar esta direção você deverá seguir estes passos:
1. Gire o limbo da bússola até que o grau do azimute (100º, no nosso
exemplo) fique alinhado com a linha de fé (seta vermelha no acrílico).
2. Segure a bússola em frente ao seu corpo de forma que ela fique completamente reta (horizontalmente) e estável.
3. Gire o seu corpo sobre os pés até que a ponta vermelha da agulha
fique alinhada com o portão da bússola (ou com a marca N do limbo, é a
mesma coisa).
4. A direção apontada pela linha de fé da bússola é a direção para onde você deve seguir, ou seja, é o seu azimute de 100º.
Agora suponha que você quer descobrir o azimute de um ponto de referência, uma montanha por exemplo:
1. Aponte a linha de fé para a nossa montanha (nosso ponto de referência).
2. Gire o limbo da bússola até que o portão (ou marcação N no limbo) fique alinhado com a parte vermelha da agulha magnética.
3. O grau que estiver alinhado com a linha de fé é o azimute do nosso ponto de referência.
No próximo artigo iremos falar de azimute reverso (aquele que usamos
para voltar por um mesmo caminho), declinação magnética e começaremos a
aprender como ler uma carta topográfica.
4. Azimute Reverso
Azimute reverso é uma direção em graus que usamos para voltar até o
ponto inicial de onde partimos. Imagine que você esteja em uma estrada e
deseja ir até um morro próximo. Você pára o seu carro, tira o azimute
para o morro e navega até onde quer chegar. Chegando lá você vai voltar
para o seu carro e descobre que não tem uma referência visual dele pois a
vegetação não lhe deixa vê-lo. Para voltar ao seu ponto inicial de
caminhada você deverá usar o azimute reverso, um processo simples,
observe:
Se o seu azimute usado na ida até o suposto morro foi
menor que 180º, pegue o valor deste azimute e some com 180, o resultado será seu azimute reverso (o azimute para voltar ao ponto inicial). Exemplo:
Azimute usado na ida: 90º
Como a azimute é menor que 180º
Some 90º com 180º e encontre o azimute reverso: 270º
Se o seu azimute usado na ida até o morro foi
maior que 180º, pegue o valor deste azimute e diminua 180 para obter o seu azimute reverso. Exemplo:
Azimute usado na ida: 200º
Como o azimute inicial é maior que 180º
Diminua 180 de 200 e obtenha o azimute reverso: 20º
Note que o azimute reverso de 180º pode ser 0º ou 360º, já que estes
dois graus (0 e 360) correspondem ao mesmo ponto na bússola.
O azimute e o azimute reverso mostrados nestes textos formam o
princípio básico para chegar até um ponto e retornar para o ponto de
origem, com esses conceitos bem praticados é possível se orientar entre
um ponto e outro usando referências visuais sem problemas. Em outro
artigo desta série eu pretendo falar sobre como localizar a sua posição
em um mapa e então navegar até um ponto qualquer, mas isso será bem mais
pra frente.
5. Declinação Magnética
Se fosse simples assim seria uma maravilha, não teríamos pessoas
perdidas por aí. Era só tirar um azimute pra lá, calcular o outro pra cá
e estaria tudo resolvido. Contudo um pequeno detalhe nos desorienta um
pouco, trata-se da “declinação magnética”, isto é, a diferença entre o
Norte apontado pela bússola (norte magnético) e o Norte verdadeiro ou
geográfico – que é o norte real do planeta. Essa declinação magnética é
uma diferença em graus entre um Norte e outro que pode fazer uma pessoa
desviar, e muito, do norte verdadeiro. Entenda isso um pouco melhor:
A linha imaginária que aponta o Ng do desenho acima seria a direção
para o Norte Verdeiro da Terra, já a linha representada pelo Nm é a que
aponta a direção do Norte Magnético (aquela direção apontada pela
bússola). A diferença entre elas é justamente a Declinação Magnética. Em
alguns pontos do planeta essa diferença pode ser grande, o que faz a
pessoa se orientar em direção a um norte “falso”. Portanto, entender e
saber lidar com a declinação é uma coisa muito importante.
Essa declinação varia de um local para outro do planeta tanto no
valor do grau quanto na direção (leste ou oeste). Além disso a variação é
anual e constante, isto é, a cada ano aquele local sofrerá sempre uma
variação de X graus. Esse valor pode ser obtido no rodapé da carta
topográfica ou através da página
Declination Calculator (neste caso é necessário informar a sua localização usando latitude e longitude, bem como a data).
Na imagem acima temos a representação da declinação magnética como
ela costuma ser impressa nas cartas topográficas do IBGE. Algumas
informações merecem destaque, são elas:
1. A data da carta: 1977
2. O valor da declinação: 18º 41′
3. O quanto a declinação cresce por ano: 8′
Com esses dados é possível calcular a declinação atual da carta e saber com exatidão onde é o norte verdadeiro.
Aliás vamos ver como esses cálculos são feitos:
A declinação cresce 8′ (minutos) por ano, logo temos um crescimento
de (2009-1977)*8 = 256 minutos. Dividimos este resultado por 60 para
obter os graus, sendo assim 256/60 = 4,266º. Para ser exato é necessário
multiplicar os dígitos após a vírgula por 60, assim encontraremos os
minutos precisos. Logo, 0,266*60 = 15.96 ou 16′. Pronto achamos a
variação da declinação que devemos usar atualmente neste mapa: 4º 16′
(uma variação de pouco mais de 4 graus nesse período entre 1977 e 2009).
Assim basta somar 18º 41′ com os 4º 16′ – o resultado (22º 57′) será a
declinação que deve ser usada para se orientar.
Esse valor de 4 graus não iria afetar uma orientação geral, mas se a
declinação fosse maior nesta região teríamos uma diferença maior,
portanto é importante saber a declinação e aprender a calcular a
atualização dela.
Aqui
no Brasil a declinação é sempre para oeste (declinação negativa)
por isso ao olhar o norte apontado pela bússola (norte magnético) você
estará vendo um ponto situado um pouco a esquerda do ponto do verdadeiro
norte.
Vou deixar vocês com um vídeo que mostra esse conceito de declinação
magnética. O vídeo está em inglês, mas é bem simples de entender. No
próximo artigo vamos ver como ler uma carta topográfica e depois como
encontrar nossa posição em um mapa (triangulação) e como navegar entre
dois pontos com o auxílio do mapa. Confiram o video sobre declinação:
6. A carta topográfica
Navegar somente com a bússola é praticamente impossível, a menos que
você conheça muito bem o terreno onde está – o que teoricamente o faria
dispensar a bússola. Para sabermos onde estamos exatamente e para poder
traçar uma rota até um determinado ponto precisamos de uma carta
topográfica, um mapa que demonstra em detalhes o relevo da região,
permitindo escolher o melhor caminho entre montanhas, vales, etc…
As cartas brasileiras são feitas em geral por órgãos militares ou
pelo IBGE e podem ser compradas ou em alguns casos até mesmo ser
baixadas da internet.
As cartas apresentam uma série de padronizações de símbologia que
simplificam a leitura delas e o ajuste da carta em relação ao terreno
quando estamos em uma situação real de navegação. Entender estes
símbolos é fundamental.
Para auxiliar os estudos eu vou colocar aqui o download de uma carta
topográfica em JPG, assim vocês poderão ir lendo os tópicos e ir
comparando com a carta.
Download Carta Topográfica de Manhumirim.
Os pontos mais importantes de uma carta topográfica são:
1. Nome da Carta: em geral vem marcado no topo da
carta, no centro ou nos cantos. O nome de uma carta é dado pela cidade
ou acidente geográfico mais importante presente no mapa, aqui no Brasil a
maioria das cartas tem nomes de cidades.
2. Escala e régua: a escala indica a proporção entre
o que está na carta topográfica e o terreno real. A maioria das cartas
nacionais tem escala de 1:50.000 – veremos com mais detalhes essa
leitura da escala daqui a pouco.
3. Curvas de Nível: quem nunca viu uma carta
topográfica costuma ficar confuso com esse item fundamental nos mapas.
As curvas de nível indicam o relevo na sua frente, podendo detalhar para
os olhos mais experientes onde existem vales, depressões, campos ou
encostas de montanhas. São elas que permitem parte da orientação no
terreno. Veremos mais detalhes depois.
4. Latitudes, Longitudes e UTM: nas quinas dos mapas
temos as Latitudes (quina superior e inferior – vertical) e as
Longitudes (quinas direita e esquerda – horizontal). Entre as marcas de
latitudes e longitudes temos marcações em UTM que permitem resumir uma
área de uma carta topográfica em um espaço ainda menor. Esses são os
conceitos mais complicados para se aprender e são mais usados para
resgate e localização de pontos específicos. Normalmente não são usados
por alguém que está apenas navegando rumo a um local. Claro que se você
se perder no meio do nada e solicitar socorro fica muito mais simples
para o resgate te localizar se você passar as coordenadas exatas.
5. Declinação magnética, variação anual e data da impressão da carta:
estes itens são importantes para uma navegação exata. O conceito de
declinação magnética foi explicado no segundo artigo desta série,
portanto não será revisto aqui.
6. Articulação da folha e localização da folha no estado:
essas informações auxiliam na localização da pessoa ao usar a carta,
com elas a pessoa pode ter uma idéia melhor de onde está em uma escala
mais ampla. Ela é apenas um auxílio não influenciando efetivamente na
navegação.
7. Legendas e convenções: auxiliam na leitura do
mapa, facilitando a identificação de pontos úteis, tais como estradas.
rios, cidades, ferrovias, fazendas, etc.
Uma curiosidade importante para quem está se orientando: os
nomes de cidades e afins grafados nas cartas apontam sempre para o
norte! Note que o topo do mapa é o norte, e os nomes grafados no mapa
sempre estão alinhados com esse topo, sendo assim caso você tenha apenas
um pedaço do mapa e precise alinhá-lo com o terreno basta deixar a
agulha da bússola casar com o norte e então alinhar o mapa.
Agora que já falei dos principais itens de uma carta topográfica
vamos ver mais detalhes daqueles que realmente são importantes para o
nosso aprendizado de navegação.
6.1 Entendendo a escala da carta
Entender a escala é importante para quem está se deslocando, afinal
de contas, o que parece perto em um mapa pode significar uma travessia
de 3 dias no terreno real.
A escala é medida em centímetros e a relação se dá do seguinte modo:
1:50.000
Isso significa que cada 1 centímetro no mapa equivale a 50 mil
centímetros no terreno real, ou seja, 500 metros. Para achar o valor em
metros basta dividir o maior número da escala por 100. Neste caso
teríamos 50.000 / 100 = 500 metros.
No primeiro artigo da série eu mostrei as partes de uma bússola
cartográfica, se vocês se lembram dela vão recordar que ela possui uma
régua em um dos lados. A função dessa régua é justamente marcar os
centímetros entre um ponto e outro do mapa e permitir ao navegador saber
qual a distância real entre esses pontos!
6.2 Curvas de Nível
Curvas de nível são linhas fechadas que funcionam como um espelho do terreno ao seu redor.
As curvas podem ficar mais próximas umas das outras, o que indica um
terreno montanhoso ou mais afastadas, o que indica uma área mais plana.
Independente da situação, a distância entre uma curva e outra no mapa é
de 20 metros (verifique a informação na carta, logo abaixo da escala).
Sendo assim, um amontoado de curvas umas coladas nas outras indicam uma
elevação rápida do terreno, ou seja, uma encosta ou montanha. Observe
nos exemplos abaixo:
Acima eu pintei de verde e vermelho duas áreas deste trecho de uma
carta topográfica, note a diferença de espaçamento entre as curvas de
nível da área verde e da vermelha. Na verde temos uma região de campos
de altitude, note que as curvas apontam 2300 e depois 2400 com um bom
espaçamento entre essas altitudes. Já na parte vermelha as linhas se
amontoam em alguns pontos, isso significa que aquela é uma região de
encostas montanhosas.
Como eu mencionei acima, os números que ficam no meio das curvas de
nível indicam a altitude naquela linha, para quem tem em mãos um
altímetro essa informação permite uma localização na carta ainda mais
precisa. Um altímetro é um equipamento bem interessante para quem faz
navegação – vou fazer um review de um desses equipamentos durante o
carnaval, aguardem!
Duas curiosidades sobre as curvas de nível, primeira: elas podem
indicar tanto elevações quanto depressões no terreno. Curvas com valores
aumentando das pontas para o centro indicam uma montanha, já as curvas
onde o valor diminui no centro representam uma depressão, um grande
“buraco” no chão. Observem:
Note
que as imagens acima, são iguais… Eu somente alterei as altitudes, na
da direita temos uma elevação, já na esquerda o valor central é menor
que o anterior, neste caso temos uma depressão, um afundamento no relevo
do terreno.
A segunda curiosidade é que as curvas de nível podem ser usadas para
“ver” o contorno de uma montanha e com isso facilitar a orientação do
navegador. Esse procedimento não é muito simples, mas um conjunto de
curvas de nível pode ser “planificado” para que represente o desenho de
um item qualquer do relevo, ou em termos mais técnicos, para que seja
representado o perfil topográfico, veja um exemplo:
Pra quem está mais familiarizado com as montanhas, eis aqui um perfil simples do Pão de Açúcar, no Rio de Janeiro.
Acho que depois dessas explicações qualquer um consegue entender um
conjunto de curvas de nível em uma carta topográfica e já é capaz de
medir distâncias entre um ponto e outro, além de conseguir caminhar
pelos trechos de relevo mais baixo ao invés de subir e descer penosos
trechos de montanha. Certo, pessoal?
Entender essas curvas é fundamental quando o assunto é navegação,
usaremos muito essas curvas no próximo artigo, onde eu vou mostrar como
fazer a triangulação de vocês usando pontos de referência na carta
topográfica e com essa triangulação vocês conseguem saber o ponto onde
vocês estão no mapa! Mas isso é pra depois. Vamos ver a parte mais
complicada agora.
6.3 Latitudes, longitudes e UTM
Não vou me aprofundar tanto neste ponto de latitudes e longitudes,
mas vou mostrar o básico sobre como usar as marcações UTM (Projeção
Universal Transversa de Mercator) para localizar um ponto e assim fazer
com que vocês sejam capazes de passar a localização de vocês para uma
equipe de SAR (resgate).
Ao pegar a carta topográfica note as marcações de latitude (nos
cantos verticais do mapa) e as marcações de longitude (nos cantos
horizontais do mapa). Entre essas marcações existem linhas que se cruzam
e formam quadrículas no mapa, essas quadrículas são numeradas usado um
padrão conhecido como UTM. Se você cruzar uma linha vertical e uma
horizontal no mapa o ponto onde elas se cruzam marcará uma localização,
se você souber atribuir os valores UTM certos para aquele ponto você
fará qualquer resgate profissional lhe encontrar! É mais ou menos como
jogar batalha naval, vamos ver:
A imagem acima é do canto superior direito da carta que eu estou
usando como modelo para este artigo, note a latitude 20º 15′ no canto
direito e próximo dela a longitude 41º 45′. Observe também que cada
linha das quadrículas é marcada por um conjunto de números que aumentam
de 2 em 2. Essas são as marcações UTM que aprenderemos a usar para
localizar um ponto.
Vamos supor que você e seu grupo sofreram um acidente ao subir um
morro de 758 metros próximo do ribeirão Pouso Alto e estão precisando de
um resgate no topo. O primeiro passo é localizar o ponto onde você
está, isso aconteceria usando uma triangulação (caso você não soubesse
onde estava), mas para fins de estudos vamos supor que você saiba que
está no alto do tal morro. Deixaremos a triangulação para o próximo
artigo.
O primeiro passo é identificar o seu ponto no mapa, eu marquei com
uma bola vermelha e tracei duas linhas até ele (em vermelho também),
veja:
O primeiro passo é verificar as marcações UTM da carta e fazer alguns
ajustes. Como elas andam de 2 em 2 faça marcações no meio de cada
quadrícula e dê valores intermediários para as marcas, que no nosso caso
seriam: 11 e 57 (descarte os números menores do UTM e trabalhe só com
os grandes!), marque esses pontos no mapa:
Pronto, a coisa está ficando bem mais simples agora. Para determinar o
ponto exato precisamos dividir os espaços entre o 11 e o 12 e entre o
57 e 58 em dez partes iguais, como se fosse uma régua com a marcação de
milímetros entre os centímetros, entenderam? Observem:
Cada marcação ganha um valor crescente de 1 até 9 e com isso podemos
determinar uma coordenada mais exata, que no nosso caso ficou sendo:
116573.
Explicando: 116 oeste-leste e 573 sul-norte baseado na carta
topográfica de Manhumirim. A ordem deve ser sempre a mostrada acima –
coordenada oeste-leste na frente e em seguida a sul-norte. Caso
contrário a leitura será errada por quem receber a informação.
Pronto, agora é só sentar no alto da montanha e esperar o helicóptero
do resgate! Viu como cartas topográficas não são nenhum bicho de sete
cabeças?
No próximo artigo vamos falar sobre como navegar com a carta e a
bússola, usando o conceito de triangulação para achar o ponto onde
estaremos e depois as outras técnicas para chegar até o ponto desejado.
Anteriormente vimos os conceitos básicos sobre orientação, bússola e
cartas topográficas, agora vamos aprender a usar todos os conceitos que
vimos anteriormente para nos localizarmos em um mapa e navegar até um
determinado ponto.
Tudo que será visto abaixo depende da DECLINAÇÃO MAGNÉTICA para uma
navegação perfeita, não deixe de calcular os valores de declinação antes
de tirar os azimutes usados nas técnicas apresentadas a seguir.
7.0 – Navegando sem o uso de um mapa
É muito melhor poder contar com uma carta topográfica e se orientar
de forma correta, mas em alguns casos, quando queremos apenas chegar em
um destino bem visível e sem grandes obstáculos no percurso podemos
navegar sem o uso de uma carta.
Quando estamos em um terreno qualquer e desejamos caminhar até um
ponto específico, como uma montanha, podemos simplesmente tirar o
azimute daquele ponto e caminhar até lá mantendo a bússola apontada para
aquele azimute durante o deslocamento. Para voltar ao ponto inicial
basta usar o azimute reverso. Esses conceitos já foram vistos
anteriormente.
Isso funciona muito bem quando temos um objetivo simples, que não
está em um terreno complicado de ser percorrido. Contudo se você se
deparar com um obstáculo no meio do caminho terá que mudar um pouco a
sua maneira de se orientar.
7.1 Contornando obstáculos que não podem ser ultrapassados
Uma situação muito comum durante o processo de orientação é nos
depararmos com algum tipo de obstáculo natural – um cânion, um grande
lago, etc – que não pode ser atravessado em linha reta, seja por uma
limitação de equipamentos ou por questões técnicas. Vamos ver um
exemplo:
Imagine que entre você e o seu destino existe um grande lago que
precisa ser contornado. Neste caso será necessário anotar o valor do
azimute do seu destino e guardá-lo para usar depois.
Na ilustração acima temos que atravessar o lago para continuar no
nosso caminho até o objetivo. Ao chegarmos à margem anotamos nosso
azimute para o destino e fazemos uma rotação de 90º para um lado
qualquer (direita ou esquerda) – marque essas duas informações, os 90
graus e o lado usado – no nosso exemplo a direita.
Agora vem a parte importante, marque o tempo e/ou a distância
percorrida – para marcar a distância conte os seus passos (mas saiba
quanto mede uma passada sua). Ao atingir a “quina” no lago faça outra
rotação de 90 graus, neste caso para a esquerda e continue caminhando
até atingir a outra “quina” do lago. Ao chegar lá faça novamente uma
rotação de 90 graus para a esquerda e caminhe o mesmo tempo ou distância
que caminhamos no início do contorno, no nosso exemplo 30 min ou 1 km.
Ao terminar esta caminhada você estará alinhado (ou próximo) com o mesmo
ponto que estava no início do processo e consequentemente poderá usar o
mesmo azimute para seguir até o seu objetivo.
Para não deixar de caminhar em linha reta durante os trechos de 1Km
do nosso exemplo você pode usar a bússola para tirar o azimute de um
ponto de referência e seguir na direção deste ponto até que seja
necessário fazer a primeira rotação de 90 graus para a esquerda mostrada
no gráfico acima. O mesmo pode ser repetido nos outros trechos.
7.2 Posicionando a carta topográfica em relação ao terreno
O primeiro passo para se orientar com eficiência é seguir os passos
de um processo conhecido como ESAON (Estacionar – Sentar – Alimentar –
Orientar – Navegar). Claro que nem sempre podemos comer. Mas ajustar o
mapa com calma é fundamental para evitar uma leitura errada da carta e
acabar ainda mais perdido por causa disso.
A parte de cima de um mapa aponta sempre o norte, sabendo disso basta
pegar a bússola e descobrir para onde ela aponta. Descoberta a direção
alinhe o norte do mapa (parte de cima) com o norte apontado pela
bússola, as linhas meridionais da bússola devem ser alinhadas com as
linhas da carta topográfica. Não se esqueça de calcular a derivação
magnética usando os dados que estão na carta topográfica para alinhar o
mapa com perfeição.
Pronto, agora que a carta está posicionada é hora de escolher dois
pontos que estejam bem visíveis no terreno (montanhas, lagos, estradas,
etc) e usar um procedimento conhecido como triangulação para achar a sua
posição atual e assim traçar a rota que será usada.
7.3 Triangulação – achando a sua localização no mapa.
Mantenha o mapa posicionado e escolha pelo menos dois pontos de
referência na sua frente, preferencialmente opte por pontos de fácil
identificação na carta, tais como lagos ou grandes montanhas.
Identifique esses pontos no mapa. Tire o azimute desses pontos. Faça um
ponto de referência primeiro, logo em seguida, sem tocar no limbo
giratório da bússola, localize esse ponto no mapa e encoste a régua da
bússola nele. Alinhe o norte da agulha magnética com o norte do mapa,
feito isso risque uma linha na carta usando a régua da bússola. Repita o
procedimento para o segundo ponto de referência.
O ponto onde essas linhas se cruzam é aproximadamente o ponto onde você está no mapa.
Após
tirar o azimute para cidade, sobreponha a bússola no mapa e com auxílio
da régua trace uma linha, como mostra o desenho acima
Repita o mesmo processo para o outro ponto de referência escolhido.
O cruzamento dessas duas linhas representa o local aproximado onde você se encontra no mapa atualmente.
Depois de definir a sua localização você poderá tirar o azimute de um
ponto para onde pretende ir e assim navegar pelo terreno. Lembre-se de
escolher trechos mais planos e menos íngremes se for possível, isso
facilita a sua navegação e reduz o seu desgaste físico.
7.4 Usando um transferidor para achar o azimute de um ponto
É possível usar um transferidor para achar o azimute de um ponto no
mapa caso você saiba onde você está. Para isso posicione o marcador do
meio do transferidor sobre o ponto onde você está e mantenha o
transferidor alinhado com as linhas da carta topográfica, como mostra a
imagem abaixo. Trace uma linha até o ponto desejado, os graus apontados
pelo transferidor serão os mesmos referentes ao azimute daquele ponto.
Esse é um método alternativo, já que nem sempre temos um transferidor em
mãos.
Com este artigo nós terminamos essa série de textos sobre orientação
com bússola e mapa, espero que vocês tenham conseguido aprender e sejam
capazes de colocar os conhecimentos em prática se for necessário algum
dia.
Boas montanhas, caminhadas, etc!
Tutorial cedido gentilmente por Mario Nery (Twitter:
@trekking)
http://www.trekkingbrasil.com